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Uma história que parece não ter fim 

Moradora do Morro da Polícia, Lúcia Rejane Monteiro sofre com as dificuldades do acesso à água

Bianca Gross

Reportagem:

Fotografia:

Nícolas Chidem

A carência do saneamento básico atinge a todos, mas o maior impacto está nas famílias de baixa renda, muitas delas residentes em áreas irregulares. Há um ano e seis meses, o abastecimento de água é um problema para os moradores do Morro da Polícia, no bairro Glória, localizado na Zona Leste de Porto Alegre. Água para escovar os dentes, tomar banho e cozinhar. Água para dar descarga, lavar roupa e limpar a casa. Água para beber. Um bem fundamental e indispensável, mas que ainda, em 2018, assombra Lúcia Rejane da Silva Monteiro e seus 60 anos.

Maurício, neto de Lúcia, ajuda a avó a encher as garrafas e carregar a água todas as quartas-feiras

Moradora de um dos pontos mais altos da encosta do Morro, Lúcia vive no local há 29 anos. Quando chegou, as árvores tomavam conta da região. Aos  poucos, esse cenário foi se modificando com a chegada de outros moradores, outras casas irregulares, outras vias de chão batido, outros problemas. Empregada doméstica, Lúcia se viu obrigada a abandonar o emprego para cuidar do filho mais novo, Tawan, portador de autismo. Divide uma casa de madeira de três cômodos com dois filhos e o neto, de sete anos, e sustenta com o dinheiro que recebe do benefício do jovem. É grande o volume de problemas no entorno de Lúcia. Mas algo que deveria ser simples, amplia ainda mais as dificuldades cotidianas da dona de casa. Se para muitos basta abrir a torneira para ter água, para Lúcia essa realidade é distante.

Conhecida por todos na comunidade, ela conta que a provisão de água sempre foi precária e com pouca pressão. Quando a água chegava até o morro, geralmente à noite, enchia os galões e corria para avisar a vizinhança. “A água vem chegando!”, gritava. A partir de junho de 2017, no entanto, o que já era escasso, secou de vez. E a água parou de subir nos canos. A alternativa, então, foi buscar na parte mais abaixo do morro e guardar a água da chuva. Essa foi a rotina por longos sete meses: idas e vindas pelas lombas íngremes da comunidade carregando baldes e galões. “Eu já carreguei muita água na minha vida”.

Cansados desta realidade, Lúcia e outros moradores da região fizeram um abaixo-assinado para que um caminhão-pipa pudesse levar água até a comunidade. A luta deu resultado. Desde dezembro do ano passado, uma vez por semana, a pipa abastece a população do Morro da Polícia. O cenário melhorou. Mas ainda é precário. De acordo com dados do governo do Estado, por meio da Lei de Acesso à Informação, 99,5% da população em Porto Alegre têm acesso à água encanada. Os outros 0,5% dependem do abastecimento por caminhão-pipa. Ou seja, cerca de 7,5 mil porto-alegrenses não têm água em casa. Parece pouco. Mas não é. Isso representa uma população maior do que Protásio Alves (2000), Vespasiano Corrêa (1974), São Vendelino (1944) e Tupanci do Sul (1573), municípios do Rio Grande do Sul. É como se todos os habitantes dessas cidades dependessem cotidianamente de um caminhão-pipa.

Na frente de casa, Lúcia conta com uma caixa d’água de mil litros, cinco tambores e 23 galões de cinco litros cada. Tudo para armazenar uma água de qualidade questionável. “Tem vezes que chega com uma coloração diferente”. Segundo o Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE), a água do caminhão-pipa é a mesma entregue para a população nas torneiras, atendendo aos padrões de potabilidade do Ministério da Saúde.

Hoje, o cenário das quartas-feira é sempre o mesmo. Lúcia, no sol ou na chuva, enche os galões no caminhão-pipa e carrega tudo para dentro de casa. Desce e sobe as ladeiras esburacadas do Morro da Polícia para ter o básico, água. Lúcia e os vizinhos não sabem até quando vão seguir nesta rotina. Não sabem se os filhos e os netos seguirão buscando água em caminhões-pipa. A única coisa que eles sabem é que esta é uma história que parece não ter fim.

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