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Os perigos em volta da água

Falta de água é a maior causa de doenças gastrointestinais no Brasil e no mundo. Descaso ceifa vidas e gera um prejuízo de milhões ao Estado

Felipe Lopes

Reportagem:

Fotografia:

Nícolas Chidem

Arte:

Felippe Morais

 

O Brasil tem 207,7 milhões de habitantes distribuídos em 8.516.000 km². Em todo esse território e para toda essa gente, apenas 45% do esgoto é tratado. O restante é lançado na natureza. Além disso, 16,7% da população sequer tem acesso à água. Os danos causados pela falta de saneamento básico e de acesso vão além dos ambientais. A Organização Mundial da Saúde (OMS), em um estudo lançado em 2017, aponta que uma em quatro mortes de crianças no planeta tem relação com a poluição causada por esse descaso. As famílias pobres, sem acesso a água tratada, são as principais vítimas.

O instituto Trata Brasil, uma OSCIP com interesse em saneamento básico no país, realiza diversos estudos sobre o assunto. Segundo um desses estudos, do ano de 2017, o país avançou pouco no que diz respeito a tratamento de água e esgoto. Em 2011, no primeiro levantamento, 82,4% da população brasileira possuía água tratada. Cinco anos mais tarde, no ano de 2016, esse número cresceu para 83,3%. Ou seja: Aproximadamente 34,6 milhões de pessoas não possuem acesso à água tratada em suas residências. O investimento, por outro lado, diminuiu.

De 2015 para 2016 houve uma queda de R$ 13,26 bilhões para R$ 11,51 bilhões. Há também uma disparidade entre as cidades com melhores índices e as com piores, no que diz respeito a investimento. As 20 cidades com melhor tratamento de água e esgoto, tiveram uma diminuição em virtude do já avançado status de sua estrutura, mas ainda assim é maior do que o feito nas 20 piores cidades. Num período de 5 anos, as melhores investiram mais de 57% do que as piores. Sendo que nessas, apenas 79,22% da população tem acesso à água e 24% tem tratamento total de esgoto. Esse tipo de investimento é uma das preocupações da Trata Brasil, como chama a atenção Édison Carlos, presidente executivo da organização: “Uma preocupação que temos apontado há alguns anos é que as melhores cidades seguem avançando e nelas acontece a concentração dos maiores investimentos. O natural seria que as piores estivessem investindo mais, então esse fenômeno separa ainda mais o Brasil em poucas cidades caminhando a universalização e muitas paralisadas”.

Em 2013 houveram 340 mil notificações de internação por infecções gastrintestinais no país

A preocupação é global, e em 2016 a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), declarou que o acesso à água potável e ao saneamento básico é um direito humano essencial. 122 países votaram a favor da resolução, incluindo o Brasil que também assegura esse direito na Constituição Federal, na lei nº. 11.445/2007. Estudos internacionais indicam que 1,5 milhão de crianças, com idades entre 0 e cinco anos, morrem todos os anos em virtude da falta desse direito básico.Além disso, 443 milhões de horas de aula são perdidas em decorrência de doenças causadas por falta de saneamento.

Segundo o DATASUS, do Ministério da Saúde, em 2013 houveram 340 mil notificações de internação por infecções gastrintestinais no país. O número é mais surpreendente se contarmos o período de 2000 a 2013. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), doenças de transmissão feco-oral foram as responsáveis por 87% das internações causadas por falta de saneamento básico. As principais doenças relacionadas precariedade desses serviços, são a diarreia, esquistossomose, dengue e leptospirose. O recente surto de Zika e Chikungunya também estão nesse quadro. Só relacionado à diarreia, o Trata Brasil registrou que nas cidades com piores índices de saneamento, no ano de 2016, houve cerca de quatro vezes mais internações do que nas melhores. Foram 92.338 contra 22.746. Em relação à dengue, o número também é quatro vezes maior nas cidades com piores índices. 19.102 pessoas contra 4.728.

 

No período entre 2007 e 2012, essas cidades totalizaram 145.690 casos. Em virtude da falta de tratamento do esgoto, alguns locais têm proliferação de roedores causadores de leptospirose. O número se torna maior na comparação. Municípios com pior saneamento tiveram 5,3 vezes mais casos de leptospirose, num total de 1.124. Toda essa doença tem relação com a falta de água encanada, que acarreta armazenamento irregular e ingestão de água contaminada. Além do esgoto em local equivocado. O custo da internação por doenças é de cerca de R$355,71 por paciente ao Sistema único de Saúde (SUS). Se o país tivesse 100% da população com acesso à esgoto e água tratada, haveria uma queda de aproximadamente 74,6 mil internações. 56% só na região nordeste.

 

O investimento em saneamento básico poderia resolver vários problemas econômicos. Anualmente o Brasil registra cerca de 14 milhões de casos de afastamento do trabalho e escola em virtude de diarreia e vômito. Só em 2015, o custo desse afastamento cegou a R$ 872 milhões. Se seguir nessa crescente, até 2035 os gastos deverão ser de R$ 72 milhões anualmente e, no somatório, o intervalo entre 2015 e 2035 pode chegar ao alarmante número de R$ 7,240 bilhões gastos com tratamento de pessoas com doenças causadas por falta de acesso a água e esgoto tratado. Estima-se que a cada R$ 1 investido em saneamento, R$ 4 são economizados na saúde. Basta que o estado compreenda que o investimento em saneamento é a chave para economia e diminuição de doenças.

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